domingo, 4 de março de 2012

Carta MCC Brasil – MAR 2012 – (151ª. )


“Setenta anos é o total de nossa vida,
 os mais fortes chegam aos oitenta.
A maior parte deles, sofrimento e vaidade,
porque o tempo passa depressa e desaparecemos.
(Salmo 90, 10)

Meus amados leitores e leitoras, irmãos e companheiros de peregrinação rumo à “pátria definitiva”:

Que o decorrer dos dias, dos anos e o avançar da história, a todos nos encontrem comprometidos com a fé em Nosso Senhor Jesus Cristo, como discípulos missionários do Reino!

Na última carta mensal ficou claro que, escritas pelo Assessor Nacional do MCC, as Cartas, explicitando, sobretudo, temas bíblicos destinam-se, especificamente, à reflexão dos membros do Movimento de Cursilhos e de outros leitores interessados tanto do Brasil como de outros países de língua espanhola. Portanto, nelas não deveriam ser tratados assuntos pessoais. Entretanto, ainda que não mais exercendo aquela função, faço-o por delegação do atual Assessor, Pe. Xiko e, sendo assim, peço licença aos meus caros amigos para tratar, hoje, de um assunto muito pessoal pela importância da que ele se reveste na minha vida. O acontecimento que me envolve – corpo, alma e espírito – já se encontra anunciado na citação bíblica acima, pois, do dia 12 de março em diante, assim permitindo-o Deus Pai, serei mais um anônimo “personagem bíblico”, lembrado e inserido no salmo 90: chego aos oitenta anos, não por ser um dos “mais fortes”, mas, com toda a certeza fundada na fé, pela graça, pela misericórdia e pelo carinho de Deus e, até por um saudável DNA familiar ou, em outras palavras, por uma santa “teimosia genética”! Nessas circunstancias tão singulares na vida deste indigno servo de Deus e do seu povo, permitam-me, amados leitores, partilhar com vocês alguns sentimentos, ainda que, por serem tão íntimos, apenas com dificuldade consiga fazê-lo...

1. Gratidão. Quero, primeiramente, proclamar minha ação de graças a Deus Pai que me chamou à vida para amá-Lo e servi-Lo, bem como a seu povo, com o dom do sacerdócio ministerial. Não foi por outra razão que vim ao mundo. Quero, depois, expressar um comovido agradecimento aos meus queridos e saudosos pais João e Elisa, instrumentos do Criador para trazer-me a este mundo e por ter colaborado com tanto desprendimento e tanta alegria, para consagrar ao Senhor seu primogênito de nove filhos (cf. Ex 13,1), meus queridos irmãos, aos quais também faço presentes neste gesto de gratidão. Desejo, ainda, agradecer a todos e a todas que, a meu lado e com sincera amizade, durante esses oitenta anos, ajudaram-me a vivê-los intensamente, sobretudo aos milhares de leigos e leigas do Movimento de Cursilhos aos quais dediquei mais de quarenta anos de minha vida.

2. Perdão. Ao mesmo tempo, renovo meu pedido de perdão ao mesmo Deus e Pai que, apesar de minhas fraquezas e limitações, me recebe com ternura nos seus braços, voltando, sempre, a colocar no meu dedo a aliança de sua misericórdia, dando-me seu perdão e, de novo, introduzindo-me na sala do banquete do Corpo e do Sangue de seu Filho. Perdão que peço e espero, também, de todos aos quais, no decorrer de minha vida, consciente ou inconscientemente, ofendi com minhas infidelidades, ingratidões e falhas, ou aos quais, porventura, escandalizei (cf. Mt 5, 23-24).

2. Volta ao essencial. Começa, então, a crescer no mais profundo do meu coração, uma como que urgente necessidade: despojar-me de todas as inutilidades; deixar de lado tudo o que é relativo, incluindo aí o próprio tempo, e privilegiando, assim e de algum modo inexplicável, a experiência de tudo o que não passa, isto é, do eterno; abrir mão da tantas pequenas “idolatrias” para aprofundar-me no conhecimento e no gozo do único Absoluto. Amadurece, assim, minha experiência de valores que não passam, como o amor, o perdão, a solidariedade, enfim, o que se poderia chamar de “experiência mística”. Já no Antigo Testamento, posso encontrar, no livro do Eclesiastes, uma fonte de reflexão para esses momentos: Vaidade das vaidades, diz o pregador, vaidade das vaidades! Tudo é vaidade. Que proveito tem o homem, de todo o seu trabalho, que faz debaixo do sol? Uma geração vai, e outra geração vem; mas a terra para sempre permanece... O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará; de modo que nada há de novo debaixo do sol... Já não há lembrança das coisas que precederam e das coisas que hão de ser, também delas não haverá lembrança, entre os que hão de vir depois” (Eclesiastes 1, 1-11). Então, absolutamente liberto de qualquer empecilho, tenho todo o tempo que me resta para orar o que me sugere o Salmista: “Eu medito sobre as vossas maravilhas e sobre as obras grandiosas que fizestes” (Salmo 76 [77].

4. O recomeço a cada manhã. O futuro é o hoje da vida. Sua realização é o recomeçar a cada dia; é o renovar as forças na meditação, no anúncio da Palavra e na fonte da Eucaristia. Sem ser novidade transitória, hoje tudo será novo outra vez. Por isso posso suplicar ao Pai, cada manhã: “Que a vossa Sabedoria me conduza, para que eu ande no dia de hoje e sempre pelos caminhos de uma vida nova”. É preciso perscrutar o horizonte para sensibilizar-se pelo novo. O novo exige uma boa dose de coragem; antigos hábitos, com frequência, profundamente arraigados, não impedem os anseios e a busca por uma sadia atualização que leva a novas descobertas e, de maneira especial, a compreender e a anunciar a Palavra nos novos tempos, para homens e mulheres desta nova cultura. É assim que nas dúvidas, posso correr à incessante busca da verdade. Repito, por importante que me parece, o que já afirmei acima: tais dúvidas giram em torno dos valores transitórios, das propostas irrealizáveis, dos sonhos mal sonhados, dos desejos inúteis. Então, acentua-se a certeza da consagração total, da busca da realização de um projeto traçado e vivido pelo Mestre que, todos os dias sussurra aos meus ouvidos, me convida e, a cada manhã, me envia como enviou os Setenta e Dois: “Grande é a messe, mas poucos são os operários” (Lc 10, 2; Mt 9,37).

Conclusão. À medida do avanço dos dias e do tempo da história, alimentado pela fé, sinto aumentar no meu coração a certeza da “passagem”: do transitório para o Definitivo; da morte para a Vida, para a Ressurreição. Enfim, para a contemplação eterna da Face do Pai. Por isso, amados irmãs e irmãs, termino suplicando-lhes a caridade de sua oração à Trindade Santíssima para comigo agradecer esses oitenta anos de vida e para que eu possa cumprir aquele projeto traçado para mim desde os primeiros momentos de minha existência aqui na terra. E, de maneira especial, peço-lhes suplicar a Maria Santíssima, “Mãe do Verbo” e “Mãe da Alegria” que ajude este seu filho a ser fiel à Palavra na alegria de sua doação! Por fim, rezem comigo para que, na perspectiva dos dias que Deus se dignar me conceder, eu possa – ao chegar ao seu término – apresentar-me diante de sua Face e exclamar como Jesus ensinou aos seus discípulos e, portanto, a mim pessoalmente: Assim também você, depois de ter feito tudo o que lhe foi ordenado, diga: ‘Sou um servo inútil; fiz o que devía fazer’”. (Cf.Lc 17,10).

Um forte abraço fraterno com todo o carinho e amizade do irmão, já agora quase octogenário,


                  
Pe. José Gilberto Beraldo

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Carta MCC Brasil – Fev/2012 (150ª.)


 “Dou graças a meu Deus, cada vez que me lembro de vós nas minhas orações por cada um de vós. É com alegria que faço minha oração, por causa da vossa comunhão no anúncio do evangelho; desde o primeiro dia até agora. Eis a min há convicção: Aquele que começou em vós tão boa obra há de levá-los a bom termo, até o dia do Cristo Jesus” (Fl 1,3-6).

Amados e amadas, desejo ardentemente que todos estejam mergulhados na intimidade com o “Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e Deus de toda consolação” (cf.2Cor 1,3):

1. Carta mensal 150ª. Começo esta Carta ousando fazer minhas as palavras do Apóstolo Paulo aos Filipenses. A motivação é clara pois, alimentados pela graça de Deus, nosso Pai, pelo amor da sua Palavra – Jesus –, pela inspiração do seu Espírito Santo e pelo interesse e apoio de todos vocês, queridos e benévolos leitores e leitoras, chegamos a esta Carta que, de maneira muito especial, vem carregada de responsabilidade e de carinho por todos e por cada um. E por quê? Porque é a Carta de número cento e cinquenta. Tendo começado a escrevê-las no mês de setembro de 1999, quando ainda era eu Assessor Nacional do Movimento de Cursilhos, continuei a redigi-las em nome do Grupo Executivo Nacional (GEN) a pedido do novo Assessor, Pe. Francisco Luiz Bianchin (nosso querido Pe. Xico) que voltou à mesma solicitação em recente reunião do GEN. Delas já foi publicado um volume contendo as primeiras cem[1].

2.Objetivos das Cartas mensais. Inicialmente, tinha-se como projeto oferecer ao Movimento de Cursilhos do Brasil (reuniões de grupos de cursilhistas, dias de formação, retiros, etc.) uma fonte de alimento espiritual para o dia-a-dia. Com o correr do tempo, foi-se ampliando o seu alcance geográfico com traduções não oficiais para o espanhol[2] de modo que muitos cursilhistas de toda a América Latina e, também, de outros países foram tomando conhecimento do teor das Cartas e utilizando-as para suas reflexões. Num segundo momento, o foco dos assuntos das Cartas foi-se diversificando, de modo a atingir não só os cursilhistas, mas todos os que se interessassem pelos temas nelas propostos. Entretanto, seja lá qual for o tema, sempre haverá nele margem suficiente para aplicação quer ao Movimento de Cursilhos quer aos cursilhistas. Nessa ótica é que são apresentadas reflexões sobre o tempo litúrgico, por exemplo, ou sobre celebrações especiais do mês ou, ainda, sobre este ou aquele documento eclesial julgado de especial significado para aquele momento histórico. Quanto a estes, ao referir-me a alguma de suas passagens, faço-o citando-a por extenso com o objetivo de dar oportunidade de sua leitura para os que não dispõem do texto integral.

3.A Palavra de Deus nas Cartas mensais. Como uma fonte de inspiração não apenas para reflexão, mas, sobretudo, para uma prática concreta, as Cartas nascem de uma citação bíblica. Nem sempre, porém, o texto trata diretamente da citação referida no cabeçalho. Quase sempre a Palavra entra como pano de fundo para o assunto a ser apresentado. Os leitores deverão estar atentos para deixar-se iluminar por ela no transcurso da leitura. Na Exortação Apostólica VERBUM DOMINI (VD), agora já bem conhecida, depois de uma introdução mais ou menos longa sobre “O DEUS QUE FALA” (nº. 6 a 21), apresenta-se “A RESPOSTA DO HOMEM A DEUS QUE FALA” (nº 22 a 28). Pois nessas nossas Cartas apresentamos sempre na citação bíblica inicial “O Deus que fala” para, em seguida, mostrar uma forma de “Resposta do homem a Deus que fala”. Aqui vejo como oportuno lembrar o que nos diz a VD no parágrafo referente a “Deus escuta o homem e responde às suas perguntas:“Neste diálogo com Deus, compreendemo-nos a nós mesmos e encontramos resposta para as \perguntas mais profundas que habitam no nosso coração. De fato, a Palavra de Deus não se contrapõe ao homem, nem mortifica os seus anseios verdadeiros; pelo contrário, ilumina-os, purifica-os e realiza-os... Na realidade, toda a economia da salvação mostra-nos que Deus fala e intervém na história a favor do homem e da sua salvação integral. Por conseguinte, é decisivo, do ponto de vista pastoral, apresentar a Palavra de Deus na sua capacidade de dialogar com os problemas que o homem deve enfrentar na vida diária... Por isso, devemos fazer todo o esforço para mostrar a Palavra de Deus precisamente como abertura aos próprios problemas, como resposta às próprias perguntas, uma dilatação dos próprios valores e, conjuntamente, uma satisfação das próprias aspirações” (VD 23).

4. Início do tempo quaresmal. Algumas celebrações deste mês são muito importantes na liturgia e, de maneira especial, na piedade popular. Entretanto, tendo que optar por uma mais significativa dentro do nosso reduzido espaço, escolhi o início do sagrado tempo da Quaresma que, na Igreja do Brasil, marca, também, o início da Campanha da Fraternidade. Com a quarta-feira de Cinzas, no dia 22, dispomo-nos a percorrer o caminho que nos levará à Páscoa da Ressurreição de Jesus, centro e motivo de nossa fé e esperança da nossa própria ressurreição.

a) O Espírito quaresmal e sua prática. Num mundo avesso à renúncia, contrário à interiorização, marcado pelo excessivo e, até, abusivo consumo, sem rumo, apressado numa corrida louca para o virtual, impaciente na realização de sonhos idealizados e ideologizados, desesperado em busca dos “primeiros lugares” da fama, do brilho passageiro da glória, do poder e do ter, a proposta cristã da quaresma soa nada menos que como uma esquisitice não só inexequível como incompreensível para uma cultura que perdeu a memória do passado, relativizou o presente e para a qual o futuro é somente o hoje. Seguindo as pegadas de Jesus, os cristãos buscam fazer da quaresma um tempo de volta para a cruz e para a ressurreição. Deveriam nascer, então, atitudes concretas expressadas naquelas práticas já tão conhecidas: o jejum não só dos alimentos, como de todas aquelas atitudes que nos distanciam dos critérios e valores do Evangelho; a esmola que, nos dias de hoje, mais do que dar os centavos ou as sobras ou o supérfluo que nos estão incomodando, significa a partilha daquilo que somos e, também, até do necessário que temos; e a oração intensificada nesse sagrado tempo com a leitura, reflexão e prática da Palavra de Deus. Aqui aconselho, viva e insistentemente, a leitura meditada da Exortação Apostólica Verbum Domini, nº 24 e 86 a 88.

b)      A Campanha da Fraternidade. Esse é, também, o tempo propício para a vivência da Campanha da Fraternidade, iniciativa própria e já tradicional da Igreja no Brasil durante a Quaresma. Neste ano a CF terá por tema “Fraternidade e Saúde pública” e por lema: “Que a saúde se difunda sobre a terra”. Deixo de comentá-los, tema e lema, mais longamente, uma vez supondo que você, meu irmão, minha irmã, participará ativamente da CF na sua Comunidade Paroquial e no seu Movimento ou associação (refiro-me particularmente ao Movimento de Cursilhos do Brasil ao qual, de preferência se destinam estas Cartas mensais).

Desejando a todos uma santa vivência quaresmal percorrendo a trajetória dos passos de Jesus até a cruz, preparando-se, assim, para a grande vitória do Ressuscitado na Páscoa da Ressurreição, esperança e promessa da nossa própria ressurreição, que já se inicia com a nossa luta para construir uma sociedade mais fraterna e solidária, deixo-lhes meu afetuoso abraço fraterno,
Pe. José Gilberto Beraldo


[1] Este livro continua à disposição no escritório do GEN.
[2] O fiel tradutor – a quem tornamos a agradecer –  é o nosso irmão Jaime Rojas Lemm, de Santiago do Chile.